Resumo
As cidades por todo o mundo possuem diferentes tempos que são articulados na construção do seu cotidiano. Essa dialética entre velocidade e lentidão pode ser percebida por vários caminhos, entre eles a observação atenta dos seus modais de transporte. Eles permitem a operação de diferentes regimes de circulação de pessoas e mercadorias, e que, no caso de uma cidade como o Rio de Janeiro, não podem ser compreendidos sem a contribuição das vans e kombis para o seu sistema de transporte. Esses modais complementares reproduzem ainda mais claramente a dialética entre velocidade e lentidão, sobretudo por um elemento que conforma uma diferença: a conjugação de uma série de ilegalismos na sua operacionalização. Neste sentido, o presente paper objetiva compreender as táticas que possibilitam o enredamento de um “esquema” de transporte complementar no subúrbio do Rio de Janeiro – região da capital fluminense que abarca dezenas de bairros distantes geograficamente e simbolicamente do “centro” da metrópole e das suas vizinhanças turísticas mais abastadas. Busco descrever a operação deste mercado encravado nas fronteiras do legal/extralegal como forma de pensar os diferentes tempos que conformam os ilegalismos atravessadores da relação de Daniel (um motorista de van que objetiva ser policial militar) com a cidade. Tal exercício permite iluminar algumas dimensões do mercado de transporte complementar carioca do ponto de vista de um possível futuro “polícia” que já experencia um cotidiano laboral marcado pela precariedade e violência. Este texto apresenta parte dos resultados da minha tese de doutorado, construída sobre trabalho de campo etnográfico realizado no ambiente de um “cursinho preparatório” para o próximo concurso da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Meus interlocutores não são “recrutas” já matriculados nas escolas de formação da polícia, mas sim simples jovens de 18 a 32 anos que objetivam, por vários motivos, entrar para a PMERJ. Ao longo de quinze meses ininterruptos (nove presenciais e seis “à distância”), procurei compreender as motivações que levam esses jovens a quererem seguir tal profissão antes de qualquer contato formal com a corporação militar. Sendo assim, a estrutura do texto procura delinear um recorte analítico mais enxuto desta problemática, trazendo os interesses na carreira policial sob a perspectiva de um motorista de van. A narrativa se desenvolve por meio do acompanhamento de uma tarde na van de Daniel, quando fui designado seu “cobrador de passagens" dentro do trajeto percorrido por ele diariamente no âmbito do seu trabalho.
DOI:https://doi.org/10.56238/sevened2024.007-014