Resumen
Na teorização educacional pós-crítica, o currículo, como unidade heterogênea na qual várias visões de mundo disputam espaço, pode ser entendido como instrumento de governo, na medida em que, inserido em uma intricada rede de relações de poder-saber, mobiliza técnicas e estratégias a fim de produzir um sujeito por ele desejado. No currículo investigado neste trabalho – a saber, o currículo de História do 1º ano do Ensino Médio de uma escola confessional privada da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais –, argumento que, por meio de um dispositivo de racialidade, no “Colégio Machado de Assis” (nome fictício) a produção de um “sujeito humanizado” é operacionalizada a partir de atividades extracurriculares cujo principal foco é o desenvolvimento da caridade nos/as estudantes, ao mesmo tempo em que, durante o horário escolar, o foco deve centrar-se em conteúdos a serem utilizados na realização de provas e exames para o ingresso no ensino superior. Nesse processo, as relações etnicorraciais, entendidas como relações de poder-saber mobilizadas pelos conceitos de raça e etnia que acontecem a todo momento entre todos os sujeitos racializados, inclusive para aqueles que não assumem suas próprias racialidades, vão sendo vivenciadas na escola sem, contudo, serem problematizadas, fazendo emergir no discurso a noção de que a caridade se entrelaça com os problemas advindos apenas da ideia de classe social, mas distancia-se das noções de raça e etnia como elementos importantes na subalternização de determinados grupos. Para tanto, utilizo como abordagem teórico-metodológica a perspectiva pós-crítica em educação e currículo, principalmente a partir dos estudos foucaultianos, a fim de produzir uma bricolagem estratégica de quatro procedimentos metodológicos: a etnografia digital, no acompanhamento das aulas de História online de Helena (nome fictício); entrevistas semiestruturadas online com coordenação, docente e estudantes, e; “dates acadêmicos”, isto é, grupos de discussão sobre alguns temas relacionados aos conceitos de raça e etnia realizados periodicamente com os/as dezessete estudantes participantes da pesquisa e; análise do discurso de inspiração foucaultiana, a partir do site da escola e das informações produzidas coletivamente na pesquisa. Os resultados obtidos demonstraram que, sendo uma escola cuja grande maioria do público se identifica e é lido socialmente como branco, as relações de poder-saber operacionalizadas no currículo do “Colégio Machado de Assis” objetivam a constituição de um sujeito, capaz de se solidarizar e ser caridoso para com aqueles “menos favorecidos” sem, contudo, promover o questionamento da questão etnicorracial como elemento relevante para a manutenção da assimetria dessas relações. Assim, ainda que no campo discursivo, haja um interesse no tratamento da questão etnicorracial, foi possível perceber que as práticas curriculares analisadas, vão relegando a discussão das relações etnicorraciais a um segundo plano, ainda que a própria vivência dos/as estudantes vá provocando tensionamentos no currículo.
DOI:https://doi.org//10.56238/sevened2024.013-012